Quando as Mulheres Voam: Um Olhar Sobre o Projeto Fotográfico de Valeria Luongo

Valeria Luongo e a Dança dos Voadores: Quebrando Barreiras Celestiais

No coração de Cuetzalan del Progreso, México, uma tradição ancestral predominantemente masculina, a Danza de los Voladores (Dança dos Voadores), ganha novas perspectivas através das lentes da fotógrafa e antropóloga italiana Valeria Luongo. Seu projeto, intitulado "When Women Fly" (Quando as Mulheres Voam), documenta a crescente participação feminina neste ritual espetacular, desafiando papéis de gênero e celebrando a força e a resiliência das mulheres da comunidade. Este trabalho não apenas registra um fenômeno cultural, mas também oferece um olhar íntimo sobre a vida dessas mulheres que equilibram tradição, maternidade, trabalho e o audacioso ato de voar.

A Gênese de "When Women Fly" por Valeria Luongo

A jornada de Luongo em Cuetzalan começou em 2013, inicialmente como estudante de antropologia, pesquisando hábitos alimentares, saúde e medicina tradicional. Com o tempo, seu interesse pela fotografia documental e produção de filmes a levou a colaborar em projetos visuais com foco em temas sociais. Desde 2022, Luongo tem se dedicado a documentar a vida de várias mulheres "voladoras", com idades entre nove e cinquenta anos. Entre elas estão Jacinta, de 50 anos, pertencente à primeira geração de mulheres voadoras; Irene, 33, e sua filha Nikté, de 12 anos; Julisa, 39, a primeira voladora trans da região; e as jovens Yolanda e Xochitl, ambas com nove anos, as primeiras praticantes femininas de suas famílias.

O projeto "When Women Fly" busca honrar essas mulheres, celebrando suas vidas cotidianas e a maneira como conciliam seus múltiplos papéis de mães, irmãs, filhas, trabalhadoras e orgulhosas voladoras. As fotografias de Luongo capturam não apenas a graça e a maravilha dessas talentosas artistas durante o ritual, mas também os momentos mais íntimos de suas vidas, revelando a força e o equilíbrio que carregam tanto no solo quanto no ar.

A Danza de los Voladores e a Participação Feminina Segundo Valeria Luongo

A Danza de los Voladores é um ritual mesoamericano antigo, tradicionalmente realizado para pedir boas colheitas. Envolve uma dança cerimonial no solo, seguida pela subida dos participantes em um poste de 30 metros de altura, do qual se lançam de cabeça para baixo, presos por cordas, girando em direção ao chão. Historicamente, apenas homens podiam participar. No entanto, em Cuetzalan, um grupo de mulheres desafiou essa tradição, simbolizando uma transformação no contexto social da comunidade.

Apesar do crescente apoio local, as mulheres ainda enfrentam barreiras significativas. Muitas delas trabalham em tempo integral e são responsáveis pela maior parte das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos, o que torna a dedicação ao ritual um desafio ainda maior, muitas vezes impedindo-as de voar após certa idade. O trabalho de Valeria Luongo destaca essa luta e a determinação dessas mulheres em manter viva a tradição, adaptando-a e evoluindo com ela.

O Olhar Antropológico e Ético de Valeria Luongo

A formação de Luongo em antropologia influencia profundamente sua prática fotográfica. Ela prioriza projetos de longo prazo que permitem um envolvimento genuíno com os sujeitos, buscando entender seus pontos de vista e discutir suas representações. A construção de um alto nível de confiança e diálogo é fundamental em seu processo, especialmente ao documentar um conhecimento cultural que não é o seu. Luongo enfatiza a responsabilidade de produzir um trabalho eticamente informado, gerando narrativas que levem em consideração as perspectivas, representações e o consentimento dos participantes. Para ela, a inclusão de mulheres neste ritual tradicionalmente masculino é um exemplo de como os costumes podem se adaptar e evoluir para se manterem vivos ao longo do tempo, e de como o conhecimento cultural pode ser preservado e transmitido de maneiras inovadoras e comunitárias.

O Simbolismo do Voo na Arte e na Cultura

O ato de voar carrega um profundo simbolismo na experiência humana, frequentemente associado à liberdade, transcendência, e à superação de limites. Desde tempos imemoriais, o homem observa o voo das aves com admiração, vendo nele uma expressão máxima de independência e perfeição. Nas artes, o voo pode denotar evasão, a busca pela paz celestial ou a conexão entre diferentes elementos da paisagem, como pássaros que atuam como mensageiros do céu. Essa carga simbólica é explorada em diversas manifestações artísticas, desde mitos antigos como o de Ícaro, até obras contemporâneas que utilizam o voo para evocar sentimentos de leveza, aventura e a busca pelo desconhecido. O projeto de Valeria Luongo se insere nessa rica tradição, utilizando a imagem das mulheres voadoras para explorar temas de empoderamento, transformação social e a beleza da resiliência humana.

A Presença Feminina em Disciplinas Aéreas: Uma Breve Retrospectiva Histórica

Embora o projeto de Luongo se concentre em um ritual cultural específico, ele ecoa a trajetória mais ampla das mulheres em diversas disciplinas aéreas ao longo da história. Desde as pioneiras da aviação, como Elise Laroche, a primeira mulher a obter uma licença de voo em 1910, e Amelia Earhart, a primeira mulher a cruzar o Atlântico voando, até as mulheres que hoje atuam como pilotas, controladoras de tráfego aéreo e na manutenção de aeronaves, a presença feminina nos céus tem sido marcada por desafios e conquistas. No Brasil, figuras como Thereza De Marzo e Anésia Pinheiro Machado foram pioneiras na aviação. Atualmente, a participação feminina nas Forças Armadas, incluindo a Força Aérea Brasileira (FAB), é uma realidade consolidada, com mulheres desempenhando funções estratégicas em diversas áreas. Essa progressão reflete uma mudança social mais ampla em direção à igualdade de gênero, embora desafios ainda persistam.

O trabalho de Valeria Luongo, ao focar nas "voladoras" de Cuetzalan, não apenas lança luz sobre uma tradição cultural fascinante, mas também contribui para a narrativa maior da presença e da importância das mulheres em espaços historicamente dominados por homens, seja em rituais ancestrais ou nos modernos campos da aviação e da exploração aérea.