Calda Bordalesa: Como Fazer e Utilizar Este Fungicida Tradicional na Agricultura Orgânica

Por Mizael Xavier
Calda Bordalesa: Como Fazer e Utilizar Este Fungicida Tradicional na Agricultura Orgânica

Calda Bordalesa: Um Guia Completo de Como Fazer e Aplicar Corretamente

A calda bordalesa é um fungicida e bactericida tradicional amplamente utilizado na agricultura, especialmente na orgânica, devido à sua eficácia e baixa toxicidade quando manuseada corretamente. Sua história remonta ao século XIX, na região de Bordeaux, na França, onde foi acidentalmente descoberta sua capacidade de proteger as videiras contra o míldio. Desde então, sua fórmula e métodos de aplicação vêm sendo aprimorados, consolidando-se como uma ferramenta valiosa para agricultores e jardineiros.

O que é a Calda Bordalesa e Para Que Serve?

A calda bordalesa é uma suspensão resultante da mistura de sulfato de cobre, cal virgem (ou cal hidratada) e água. Sua principal função é proteger as plantas contra uma vasta gama de doenças fúngicas, como míldio, ferrugem, requeima, pinta preta, cercosporiose e antracnose. Além disso, possui efeito secundário contra bacterioses e atua como repelente para alguns insetos, como cigarrinhas, cochonilhas e pulgões. Por ser considerada de baixa toxicidade, seu uso é permitido na agricultura orgânica, contribuindo também para o equilíbrio nutricional das plantas ao fornecer cálcio e cobre.

Como Fazer a Calda Bordalesa: Passo a Passo Detalhado

O preparo correto da calda bordalesa é crucial para garantir sua eficácia e evitar problemas como fitotoxicidade nas plantas. A proporção mais comum é de 1:1:100, ou seja, 1 parte de sulfato de cobre para 1 parte de cal virgem para 100 partes de água. No entanto, a concentração pode variar dependendo da cultura, do estágio de desenvolvimento da planta e da doença a ser controlada. Empresas como a Ascenza disponibilizam formulações prontas, mas o preparo caseiro é econômico e relativamente simples.

Ingredientes e Materiais Necessários (Exemplo para 10 litros a 1%):

  • 100g de sulfato de cobre
  • 100g de cal virgem (CaO) de boa qualidade ou 130-150g de cal hidratada (Ca(OH)2) caso a cal virgem não esteja disponível. A Embrapa e outras instituições recomendam o uso preferencial da cal virgem.
  • 10 litros de água limpa
  • Dois baldes de plástico (nunca metálicos, pois o sulfato de cobre reage com metal) com capacidade para pelo menos 5 litros cada.
  • Um terceiro balde ou recipiente (plástico, cimento ou madeira) com capacidade para 10 litros ou mais para a mistura final.
  • Um pedaço de pano poroso (algodão ou similar)
  • Um bastão de madeira ou plástico para mexer
  • Peneira fina (plástico ou pano) para coar a calda.
  • Medidor de pH (peagâmetro), papel indicador de pH ou uma faca de ferro limpa (não inoxidável) para o teste de acidez.
  • Equipamento de Proteção Individual (EPI): luvas impermeáveis, máscara de proteção e óculos.

Como Fazer a Calda Bordalesa: Etapas do Preparo:

  1. Preparo da Solução de Sulfato de Cobre: No dia anterior ou algumas horas antes do preparo final (4 a 24 horas), coloque o sulfato de cobre triturado dentro do saco de pano. Amarre o saquinho na ponta de uma vara e mergulhe-o em um dos baldes plásticos contendo 5 litros de água (preferencialmente morna para facilitar a dissolução), de forma que o saquinho fique suspenso na água sem tocar o fundo. Deixe dissolver completamente.
  2. Preparo do Leite de Cal: No outro balde plástico, coloque a cal virgem. Adicione água aos poucos, com cuidado, pois a cal virgem "apaga" (reage com a água) liberando calor. Mexa bem com o bastão de madeira até obter uma pasta homogênea. Complete com o restante da água (totalizando 5 litros para esta etapa), formando o "leite de cal". Se utilizar cal hidratada, apenas misture-a bem com os 5 litros de água. É importante coar o leite de cal em uma peneira fina ou pano para remover impurezas que podem entupir o pulverizador.
  3. Mistura das Soluções: Esta é a etapa mais crítica. Com o leite de cal (solução branca) no recipiente maior, despeje LENTAMENTE a solução de sulfato de cobre (solução azul) sobre o leite de cal, NUNCA o contrário. Agite a mistura constantemente com o bastão de madeira durante todo o processo para garantir uma reação homogênea e evitar a precipitação excessiva dos componentes. O resultado deve ser uma calda de cor azul-celeste.
  4. Teste de Acidez (pH): A calda bordalesa deve ter um pH neutro ou levemente alcalino (idealmente entre 7 e 9, sendo que algumas fontes como a Epagri sugerem um pH levemente ácido entre 6,5 e 6,8, parando a adição de leite de cal antes de atingir 7, pois o pH continua subindo lentamente). Uma calda ácida pode queimar as folhas das plantas.
    • Com Peagâmetro ou Papel Indicador: Siga as instruções do equipamento para medir o pH.
    • Teste da Faca (tradicional, mas menos preciso): Mergulhe uma lâmina de faca de ferro limpa (não aço inoxidável) na calda por cerca de 3 minutos. Se a lâmina apresentar uma coloração avermelhada (ferrugem), indica que a calda está ácida. Neste caso, adicione pequenas quantidades de leite de cal à mistura, mexa bem e repita o teste até que a lâmina não mude de cor. Se a calda estiver muito alcalina (esbranquiçada), pode indicar excesso de cal, o que também não é ideal.
  5. Coagem Final e Uso: Após atingir o pH correto, coe a calda bordalesa novamente em uma peneira fina diretamente para dentro do pulverizador para evitar entupimentos. A calda deve ser utilizada preferencialmente no mesmo dia do preparo, pois perde suas propriedades com o tempo (geralmente até 3 dias no máximo, mas o ideal é uso imediato após o preparo).

Como Aplicar a Calda Bordalesa de Forma Segura e Eficaz

A aplicação correta da calda bordalesa é fundamental para sua eficácia e para a segurança do aplicador e do meio ambiente.

  • Momento da Aplicação: Aplique em dias secos, com temperaturas amenas (evitar sol forte, geralmente abaixo de 30°C e acima de 10°C) e sem previsão de chuva nas próximas horas. As horas mais frescas do dia, como o início da manhã ou o final da tarde, são ideais. Evite aplicar com vento forte ou sobre folhagem molhada.
  • Equipamento de Proteção Individual (EPI): É indispensável o uso de luvas impermeáveis, máscara de proteção para evitar a inalação de respingos e óculos de proteção. Lave bem as mãos e o corpo após a aplicação.
  • Cobertura Uniforme: Pulverize a calda de maneira uniforme sobre toda a planta, cobrindo bem as folhas (ambos os lados), caules e ramos. O objetivo é formar uma fina camada protetora.
  • Frequência: A frequência de aplicação varia conforme a cultura, a incidência de doenças e as condições climáticas. Pode ser semanal, quinzenal ou mensal. Em períodos chuvosos e de alta umidade, que favorecem o desenvolvimento de fungos, pode ser necessário aplicar com maior frequência.
  • Cuidados Específicos: Algumas plantas são mais sensíveis ao cobre. A Embrapa e outras instituições de pesquisa como a ESALQ/USP e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) podem fornecer recomendações específicas para diferentes culturas. Por exemplo, em goiabeiras, deve-se evitar a aplicação em frutos com mais de 2 cm de diâmetro para não causar manchas. Em plantas novas ou em floração, pode ser necessário diluir mais a calda (por exemplo, concentração de 0,5%). Sempre realize um teste em uma pequena área da planta antes de aplicar em toda a cultura, especialmente se for a primeira vez utilizando a calda naquela espécie ou cultivar.
  • Limpeza do Equipamento: Após o uso, lave bem o pulverizador com água e uma solução de vinagre para evitar corrosão. Não descarte restos de calda ou água de lavagem em cursos d'água, nascentes ou açudes.
  • Carência: Apesar de ser permitida na agricultura orgânica, é importante lavar bem frutas e hortaliças tratadas com calda bordalesa antes do consumo. Algumas certificadoras orgânicas podem impor limites para a quantidade de cobre aplicada por hectare ao ano.

Vantagens e Desvantagens da Calda Bordalesa

Vantagens:

  • Amplo espectro de ação contra fungos e algumas bactérias.
  • Baixo custo e facilidade de preparo com ingredientes acessíveis.
  • Permitida na agricultura orgânica.
  • Pode fornecer cobre e cálcio para as plantas.
  • Ação preventiva eficaz.

Desvantagens:

  • Pode ser fitotóxica para algumas plantas ou se aplicada em concentrações inadequadas ou em condições climáticas desfavoráveis.
  • O cobre pode se acumular no solo com o uso excessivo e prolongado, causando toxicidade.
  • Pode ser prejudicial para minhocas e outros organismos benéficos do solo se usada indiscriminadamente.
  • Requer cuidado no preparo e aplicação para garantir a segurança do aplicador.
  • A calda preparada tem curta durabilidade.

Considerações Finais sobre Como Fazer Calda Bordalesa

A calda bordalesa continua sendo uma ferramenta importante no manejo fitossanitário, especialmente em sistemas de produção orgânica e agroecológica. Saber como fazer a calda bordalesa corretamente, seguindo as proporções, o método de preparo e os cuidados na aplicação, é essencial para maximizar seus benefícios e minimizar os riscos. A Embrapa, por exemplo, disponibiliza diversas publicações e orientações técnicas sobre o preparo e uso da calda bordalesa. Consultar técnicos agrícolas e pesquisadores pode auxiliar na adequação das doses e dos momentos de aplicação para cada situação específica, garantindo uma agricultura mais sustentável e produtiva.

Existem também variações como a pasta bordalesa, mais concentrada e usada para pincelar troncos e ferimentos de poda, e a calda viçosa, que é uma calda bordalesa enriquecida com outros nutrientes.

Mizael Xavier

Mizael Xavier

Desenvolvedor e escritor técnico

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